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Uma breve visão dos trabalhos publicados
Em decorrência da Revolução Industrial, nos séculos XVII e XVIII era abominavelmente comum o emprego de mão de obra infantil. E limpar chaminés, removendo a fuligem acumulada em tubulações estreitas a fim de liberar a passagem de ar, diminuir a geração de fumaça e evitar incêndios, passou a ser uma atividade realizada por inocentes meninos abandonados, sob o comando de patrões do setor. O horror vivido por essas crianças, ao serem forçadas a se arrastar por dentro de tubos escuros e sufocantes, é difícil de suportar mesmo no campo da imaginação. Mas a realidade era ainda mais dura. Sem o lar ou cuidados básicos de higiene e alimentação, muitos morriam na ausência do socorro necessário e da lembrança amorosa de alguém. Ainda era sequer imaginado que a fuligem acumulada em dobras da pele em decorrência de longos períodos de trabalho sem a proteção e higiene adequadas poderia originar uma doença dolorosa e mortal que passou a acometer adultos jovens na época: o câncer de escroto.
Esse sofrimento ganhou destaque com a descrição da ocorrência de câncer de escroto em indivíduos na faixa etária de 20 a 40 anos, prevalentemente em quem havia trabalhado como limpador de chaminés muitos anos antes. A descrição foi feita em 1775 pelo renomado médico cirurgião inglês Percivall Pott. Ainda sem acesso ao conhecimento que seria alcançado somente no século XX sobre os mecanismos da carcinogênese química e o longo período de latência entre a exposição a substâncias carcinogênicas e o aparecimento de câncer, Percivall Pott foi certeiro na associação. E foi além. Sugeriu que a fuligem acumulada nas pregas escrotais era a causa da doença nesse grupo de pessoas, o que foi confirmado por investigações posteriores de outros pesquisadores, como apresentaremos na sequência de textos dessa série de divulgação. A descrição de Percivall Pott em 1775 foi a primeira a fazer a ligação entre o desenvolvimento de câncer e exposição ocupacional. Percivall Pott assim se destaca como um dos pioneiros da toxicologia ocupacional, além da sua contribuição para a área da epidemiologia.
A descrição de Pott foi um dos gatilhos para o início de movimentos na Inglaterra no final do século XVIII e início do século XIX para impedir o trabalho infantil na limpeza de chaminés. Mas somente no ano de 1842 entrou em vigor uma lei proibindo a entrada de meninos nas chaminés, apesar de o costume permanecer por mais duas décadas. Só então a limpeza passou a ser feita por profissionais habilitados e utilizando instrumentos adequados, o que resultou em queda da incidência de câncer de escroto e de todos os outros horrores na profissão.
Autores:
Ana Paula de Melo Loureiro
Tibor Rabóczkay
16/04/2021
Quer saber mais?
A brief history of scrotal cancer
Percivall Pott (1714-1788) and chimney sweepers' cancer of the scrotum
Percivall Pott, the environment and cancer
À observação de que grande parte dos casos de câncer de escroto na Inglaterra do século XVIII ocorria entre adultos jovens que haviam trabalhado como limpadores de chaminés na infância, o passo seguinte foi perguntar “como a exposição resulta na doença?”.
Sem conhecer a composição da fuligem, a hipótese considerada pelos pesquisadores até a metade do século XIX foi a irritação local provocada pelo atrito da pele com a poeira. No entanto, era difícil entender os vários anos de latência entre o final da exposição e o aparecimento da doença; a razão de ex-limpadores de chaminés de outros países da Europa e americanos não desenvolverem a doença; e o fato de o câncer de escroto aparecer somente em uma parcela dos ex-limpadores de chaminés ingleses. Assim, outros fatores além do atrito poderiam estar envolvidos. Podemos facilmente supor aqui quais seriam eles: hábitos de higiene, o uso de roupa protetora durante o trabalho e a composição da fuligem. No entanto não era tão fácil comprovar o papel desses fatores naquele momento.
Foi somente no final do século XIX que o cirurgião Henry Butlin em sua pesquisa sobre limpadores de chaminés em diferentes países da Europa percebeu que fora da Inglaterra havia grande preocupação com o uso de roupas que protegiam os limpadores do contato com a fuligem, além de cuidados com a higiene, que não eram comuns entre os ingleses. Essa constatação resultou muito importante para a mudança de hábitos no sentido de proteger os trabalhadores contra o desenvolvimento da doença. Ou seja, foi verificado que apesar de a fuligem ser um perigo e poder levar ao desenvolvimento de câncer (no caso, especificamente de escroto), o risco de desenvolver a doença dependia do grau de exposição ao perigo. Quanto maior a exposição, maior o risco e vice-versa.
Já as investigações sobre a composição da fuligem só avançaram pela primeira metade do século XX, quando moléculas carcinogênicas passaram a ser isoladas e identificadas. Essa história contaremos na sequência.
Autores:
Ana Paula de Melo Loureiro
Tibor Rabóczkay
20/04/2021
Antes de falarmos sobre os componentes cancerígenos da fuligem, é importante destacarmos outras ocupações que passaram a ser associadas ao aumento da incidência de câncer de escroto: a destilação de carvão mineral, a produção do óleo mineral e os processos nos quais os produtos eram empregados. As observações ocorreram a partir da segunda metade do século XIX, revelando o aparecimento de tumores entre trabalhadores dessas indústrias com características idênticas às dos tumores observados anteriormente nos limpadores de chaminés. Ficou assim constatado que o problema era muito mais amplo e se difundia por diversos países, o que turbinou as investigações para a elucidação dos constituintes do carvão e óleo mineral responsáveis pelos efeitos observados.
O alcatrão decorrente do uso do carvão mineral em usinas de gás, altos-fornos e fornos de coque era muito utilizado em sua forma original ou para a destilação de diversos hidrocarbonetos. A resina negra residual após a destilação é o piche, que passou a ser utilizado para a produção de combustíveis. Um dos destilados vira uma cera quando resfriado, a parafina, sendo utilizada na produção de velas. Com as observações de aparecimento de câncer de escroto entre trabalhadores desses setores, nos primeiros anos do século XX a compensação pela doença passou a constar da Lei de Compensação de Trabalhadores do Reino Unido.
Investigações conduzidas experimentalmente em animais mostraram que alcatrão ou piche obtidos de diferentes fontes apresentavam diferentes capacidades de indução de câncer de pele. Por exemplo, alcatrão ou piche obtidos de altos-fornos apresentavam menor atividade carcinogênica do que os obtidos de usinas de gás. A primeira observação de tumor de pele induzido experimentalmente pela aplicação repetida de alcatrão de carvão foi feita em coelhos por Yamagiwa e Ichikawa em 1915. E foi somente nas décadas de 1920 e 1930 que uma série de artigos decorrentes do trabalho paciente, metódico e devotado do patologista britânico Ernest Kennaway revelou que o alcatrão e seus destilados obtidos em temperaturas mais altas (acima de 300 °C) eram os que apresentavam maior atividade carcinogênica. Kennaway verificou que os compostos destilados a temperaturas altas eram principalmente hidrocarbonetos e passou a testar em pele de camundongos a atividade carcinogênica de alcatrão obtido no laboratório a partir da pirólise de hidrocarbonetos, como isopreno, acetileno e outras substâncias orgânicas de origem animal e vegetal. Os diferentes produtos testados se mostraram carcinogênicos.
Um grande avanço para a elucidação dos componentes cancerígenos do alcatrão foi obtido quando Kennaway e o bioquímico Izrael Hieger obtiveram os espectros de fluorescência dos alcatrões carcinogênicos e constataram a semelhança com o espectro de fluorescência do hidrocarboneto policíclico aromático 1,2-benzantraceno, já conhecido na literatura científica. Eles testaram então vários hidrocarbonetos policíclicos aromáticos conhecidos e verificaram que o 1,2:5,6-dibenzantraceno induziu tumores ao ser aplicado na pele de camundongos. A partir daí foi aberto o caminho para a identificação dos constituintes carcinogênicos do alcatrão e de vários outros produtos obtidos a partir da queima de matéria orgânica.
Em 1932, Hieger juntamente com o químico inglês James W. Cook e o bioquímico Colin L. Hewett isolaram um composto cristalino altamente carcinogênico a partir de 2 toneladas de piche. O composto foi identificado como 3,4-benzopireno, também conhecido como benzo[a]pireno, sendo objeto de estudo até os dias atuais para elucidação de mecanismos da carcinogênese química. Falaremos mais sobre o benzo[a]pireno na sequência desta série de divulgação.
James W. Cook, Izrael Hieger e Ernest Kennaway foram nomeados para concorrer ao Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina em 1937 pelo trabalho de isolamento de substâncias carcinogênicas a partir do carvão e pelos estudos que relacionavam a constituição química do alcatrão com a atividade carcinogênica. O ganhador do Prêmio em 1937 foi o químico húngaro Albert Szent-Györgyi por seus estudos das reações metabólicas nas células e a influência de catalisadores na sequência de reações, com especial referência ao fumarato e vitamina C.
Autores:
Ana Paula de Melo Loureiro
Tibor Rabóczkay
14/05/2021
Quer saber mais?
A brief history of scrotal cancer
James Wilfred Cook. 10 December 1900 - 21 October 1975
From Pathology to Chemistry and Back: James W. Cook and Early Chemical Carcinogenesis Research
*Alcatrão do carvão - parte mais escura e densa da fração líquida obtida a partir da destilação seca do carvão. Consiste de uma mistura complexa de substâncias orgânicas, dentre as quais os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos.
Paralelamente às investigações descritas anteriormente sobre os constituintes carcinogênicos do alcatrão do carvão mineral, foram testados em pele de camundongos extratos concentrados obtidos da fuligem de lareiras domésticas. A indução experimental de câncer na pele dos animais a partir desses extratos foi descrita pela primeira vez em 1922 pelo patologista inglês R. D. Passey, quase 150 anos após a associação epidemiológica feita por Percivall Pott em limpadores de chaminés.
A busca de constituintes carcinogênicos na fuligem doméstica foi facilitada pelos estudos ocorridos nas décadas de 1920 a 1940 que propiciaram a identificação de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos no alcatrão do carvão mineral. Em 1949, o já conhecido carcinógeno benzo[a]pireno foi detectado na fuligem de lareiras domésticas, na concentração de 300 mg por quilograma de fuligem. Essa detecção foi importante para corroborar sugestões sobre a presença do benzo[a]pireno na atmosfera, uma vez que as lareiras domésticas eram à época fonte importante de poluição. Hoje sabemos que o benzo[a]pireno está difundido no meio ambiente. Iniciavam-se também discussões sobre a contribuição da fumaça das chaminés para o desenvolvimento de câncer de pulmão. Um grande aumento da incidência de câncer de pulmão foi verificado na Inglaterra entre 1921 e 1938. Dentre as várias possíveis causas analisadas, chamou a atenção o fato de o consumo de cigarros também ter aumentado muito no período. Naquele momento, o efeito carcinogênico da fumaça de cigarro era desconhecido, mas não tardou para que o benzo[a]pireno fosse detectado como constituinte dessa fumaça, o que ocorreu na década de 1950. Altas concentrações de benzo[a]pireno são relatadas na fumaça principal (2,2 a 28,4 ng/cigarro) e fumaça secundária (52 a 95 ng/cigarro) de cigarros comerciais convencionais. (“ng” significa nanograma, ou seja, a bilionésima parte do grama).
Nos próximos textos abordaremos os mecanismos pelos quais o benzo[a]pireno induz o desenvolvimento de câncer e falaremos mais sobre a composição da fumaça de cigarro e seus efeitos.
Autores:
Ana Paula de Melo Loureiro
Tibor Rabóczkay
27/08/2021
Quer saber mais?
A further study of the incidence of cancer of the lung and larynx
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